John Schwartz
Na semana passada, um jurado em um grande julgamento federal por um caso de venda ilegal de medicamentos, na Flórida, admitiu ao juiz que tinha pesquisado sobre o caso na internet, o que representa violação direta das instruções do juiz e de séculos de normas judiciais. Mas quando o juiz interrogou os demais jurados, o choque foi ainda maior. Oito dos demais jurados vinham fazendo a mesma coisa.
O juiz federal, William Zloch, teve de anular o julgamento, o que representou desperdício de oito semanas de trabalho pelos promotores e advogados de defesa. "Ficamos atônitos", disse um advogado de defesa, Peter Raben, que foi informado pelo júri de que estava a ponto de sair vitorioso do processo. "Foi a primeira vez que a tecnologia moderna nos atingiu assim, e foi um baque".
O caso poderia ser apelidado de "anulação Google". O uso de BlackBerrys e iPhones pelos jurados para obter informações sobre casos que estão julgando está causado desastres em tribunais de todo o país, prejudicando deliberações e enfurecendo os juízes.
Na semana passada, uma empresa de produtos de construção solicitou que um tribunal do Arkansas revertesse uma condenação que a levaria a pagar US$ 12,6 milhões em indenização, alegando que um jurado usou o Twitter para enviar notícias atualizadas sobre o caso em meio ao julgamento.
E na segunda-feira, advogados de defesa no julgamento por corrupção de Vincent Fumo, ex-senador estadual na Pensilvânia, exigiram a anulação do julgamento depois que um jurado postou sobre o caso no Twitter e no Facebook. O jurado chegou a informar aos seus leitores que "um anúncio importante" viria na segunda-feira. O juiz decidiu permitir que o julgamento continuasse, apesar disso, e o júri condenou Fumo. Os advogados dele pretendem usar os posts como base de apelação.
Os jurados não devem procurar informações fora do tribunal. A lei requer que cheguem a um veredicto com base apenas nos fatos que o juiz determina admissíveis, e eles não devem considerar provas excluídas como inadmissíveis. Mas agora, com seus celulares, os jurados podem pesquisar sobre o acusado na web ou examinar uma determinada rua com o Google Maps, o que viola as complexas normas evidenciárias do sistema judicial.
Também costumam contar aos seus amigos o que está acontecendo no tribunal, ainda que devessem manter segredo sobre suas opiniões e deliberações.
Um jurado que saia para comer ou usar o banheiro pode descobrir muitos detalhes sobre o caso. A Wikipedia pode oferecer explicações sobre a tecnologia que embasa um caso de patentes ou uma condição médica. O Google Maps pode mostrar quanto tempo demora para se ir de carro de um a outro ponto, e sites noticiosos podem escrever sobre um acusado, seus advogados ou os peritos convocados como testemunhas.
"É realmente impossível controlar a situação", disse Douglas Keene, presidente da Sociedade Americana de Consultores de Julgamentos.
Os juízes há muito alteraram suas habituais advertências sobre a procura de informações externas quanto a um julgamento a fim de incluir buscas na internet. Mas com a internet agora acessível mesmo no bolso de um jurado, o risco se tornou maior ¿ e instintivo. Os advogados começaram a verificar rotineiramente os blogs e sites de potenciais jurados.
Keene disse que os jurados podem pensar que estão ajudando, e não prejudicando, ao buscar mais informações. "Existem pessoas que sentem que não é possível servir à justiça se não souberem as respostas a certas perguntas¿, ele afirmou.
Mas as regras evidenciárias, desenvolvidas com base em séculos de jurisprudência, existem para garantir que os fatos que chegam ao conhecimento do júri sejam submetidos a escrutínio e contestação de ambas as partes, disse Olin Guy Welborn, professor de Direito na Universidade do Texas.
"Essa é a beleza do sistema de julgamento contestado", disse Wellborn, co-autor de um manual sobre direito evidenciário. "E tudo isso se perde quando os jurados começam a agir por conta própria".
Não parece existir um cômputo oficial quanto ao número de casos prejudicados por pesquisas na internet, mas com a crescente adoção de tecnologia de acesso à web em celulares, é de esperar que cresça. Alguns tribunais estão começando a restringir o uso de celulares pelos jurados em suas dependências, e até mesmo a confiscá-los durante o dia, mas a maioria ainda não adotou esse tipo de medida, disse Keene. E o uso de computadores em casa evidentemente não sofre restrições a não ser em casos nos quais os júris são mantidos em isolamento.
No caso da Flórida que resultou em anulação, Raben passou quase oito semanas combatendo alegações de que seu cliente havia vendido ilegalmente, via internet, remédios distribuídos apenas sob receita. Os argumentos já haviam sido apresentados e o júri estava deliberando quando um jurado informou ao juiz que outro dos membros do júri havia admitido ter pesquisado sobre o caso na internet.
Enquanto o juiz interrogava o jurado sobre suas pesquisas, as quais incluíam provas que o juiz havia excluído, Raben diz ter pensado que se o jurado não tivesse contado aos demais membros do júri sobre suas pesquisas, o julgamento poderia continuar e as oito semanas de trabalho não teriam sido desperdiçadas. "Bem, é só retirar o jurado e o caso poderá prosseguir", ele pensou.
Mas o juiz em seguida descobriu que oito outros jurados haviam feito a mesma coisa ¿ conduzido buscas no Google sobre os advogados e o acusado, lido notícias sobre o caso, verificado definições na Wikipedia e procurado por provas que o juiz excluíra especificamente. Um jurado, quando o juiz lhe perguntou sobre as pesquisas, respondeu com: "Bem, eu estava curioso". "Foi muito desanimador", acrescentou Raben.
E as informações que saem do júri podem ser tão problemáticas quanto as informações que chegam aos jurados; jurados que se acostumaram a postar atualizações regulares sobre seus afazeres diários e pensamentos podem se ver em rota de choque com a lei.
No caso do Arkansas, a Stoam Holdings, que deseja reverter sua condenação a pagar US$ 12,6 milhões, alegou que um dos jurados, Jonathan Powell, havia enviado mensagens via Twitter durante o julgamento.
Powell, 29, gerente de uma loja de revelação fotográfica instalada em um Wal-Mart em Fayetteville, Arkansas, declarou em entrevista que não havia enviado mensagens substantivas sobre o caso até que o veredicto estivesse decidido e sua obrigação de manter sigilo estivesse encerrada. "Só mencionei o julgamento depois do veredicto", disse. "Podem verificar em meus registros telefônicos".
Tradução: Paulo Migliacci ME
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